domingo, 31 de outubro de 2010

Insensível

Caminho sem saber bem para onde. Limito-me a andar em frente, atravesso ruas, vou andando pela beira da estrada, páro para ver uma ou outra montra. Começa a chover, continuo a andar tão calmamente como até então. À minha volta as pessoas correm para debaixo dos beirais das casas, para os cafés, outras abrem chapéus-de-chuva e aconchegam-se dentro dos seus casacos. As folhas que o Outono arrancou que voavam pelo ar estão agora coladas ao chão. A água continua a cair, a inclinação da rua faz com que se formem pequenos riachos. Eu continuo em frente, chego à beira do Tejo e páro. Tantas nuvens. O céu está cinzento, quase preto. Sinto-me ensopar, estou molhada até aos ossos. Sabe tão bem andar à chuva, acho que me caiu uma nuvem inteira em cima. Não faz mal, lavou-me a alma cansada e descrente. Não me sinto eu, há tempo demais aliás. Há dias em que sinto que sou alguém, em que sorrio e ando em frente com toda fé que tenho em mim e no mundo. Há dias em que me sinto assim, cansada, sem alma, sem esperança, cinzenta. Há dias que não são dias, são semamas. As horas teimam em não passar, os pensamentos maus não vão embora. Chegam e sentam-se no sofá. Fazem-me duvidar até de mim mesma. Arrependo-me do tudo e do nada. Desejo ardentemente voltar atrás e mudar tudo... S eu soubesse... São dias maus, cinzentos, ventosos, agrestes. O rio revolta-se no seu leito, corre com pressa em direcção ao infinito do mar. Lá ao fundo vejo-o tocar o horizonte, relembro-me do dia em que, do cimo de uma rocha, cheguei a pensar que céu e mar se tocavam mesmo e o mundo acabava ali, e lembro-me de pensar que o mundo podia mesmo acabar ali. Naquele momento tinha tudo: os sons, os cheiros, a paisagem e a companhia. Lembrei-me desse momento e decidi fechá-lo naquela caixinha de brilhantes a que chamo coração. Fechei-o e decidi não pensar mais nele, nem nesse nem em mais nenhum... São dolorosos quando deviam ser caloros0s. Uma gaivota atravessa agora o céu. Foge das gotas de água que teimam em cair, cada vez mais grossas e com mais força. Quem me dera poder fugir também da tempestade que tenho dentro de mim. Olho para o relógio, não passaram nem dez minutos, dou meia volta e regresso. Subo a rua que parece agora um mar, até tem ondas... Vejo um sem abrigo, tão ensopado como eu. Apercebo-me que ele vai continuar a alagar e eu vou chegar a casa e abrigar-me nas minhas mantas. Não sou nada, nem ninguém, não conheço nada da vida e a que tenho é absolutamente perfeita, não sei o que é ter problemas e os meus dramas e dores não passam de piadas perante tamanha tristeza e desalento. Não tenho porque dizer que não sou feliz. Tenho de voltar a ser insensivel. Antigamente conseguia, não sentir.
Se fosse possivel voltar a fazê-lo...

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